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Vol. 8. Issue 5.
Pages 475-479 (September - October 2002)
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Vol. 8. Issue 5.
Pages 475-479 (September - October 2002)
AS NOSSAS LEITURAS
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Resposta dos volumes pulmonares ao salbutamol inalado numa grande população de doentes com hiperinsuflação grave
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M.F. Newton, D.E. O’Donnell, L. Forkert
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RESUMO

A avaliação da eficácia dos broncodilatadores inalados é feita habitualmente pela medição do volume expiratório máximo no primeiro segundo (FEV1) antes e após a administração destes fármacos. Outras medições da função pulmonar, como os volumes pulmonares, não são avaliadas por rotina na maior parte dos laboratórios. Contudo, a compreensão dos efeitos dos broncodilatadores sobre os volumes pulmonares é importante, já que a hiperinsuflação pulmonar é responsável em grande parte por um excessivo trabalho respiratório e pelo aumento da dispneia observados nos doentes com doença pulmonar obstrutiva.

Os autores começam por apontar o FEV1 como um marcador que pode ser pouco sensível à resposta aos broncodilatadores e dão como exemplos de parâmetros mais sensíveis a capacidade inspiratória e a avaliação das curvas débito-volume parciais. Salientam a vantagem da capacidade inspiratória relativamente ao FEV1, como factor preditivo da melhoria da tolerância ao exercício e da dispneia.

No presente estudo, os autores avaliam os padrões de resposta dos volumes pulmonares – capacidade residual funcional (FRC), volume residual (RV), capacidade vital forçada (FVC) e capacidade inspiratória (IC) – aos broncodilatadores inalados em doentes com hiperinsuflação pulmonar moderada e grave devida primariamente à doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC).

Realizaram um estudo retrospectivo que envolveu 957 doentes (534 homens, 423 mulheres; idade: 64,7±0,37 anos), sendo 281 gravemente hiperinsuflados (TLC > 133% do teórico, FEV1 /FVC% < 85% do teórico) e os restantes 676 moderadamente hiperinsuflados (TLC entre 115% e 133% do teórico, FEV1 / FVC% < 85% do teórico).

Em todos os doentes foi realizado um estudo funcional respiratório completo antes e após a administração de 200 ¼g de salbutamol.

Caracterizaram a resposta aos broncodilatadores em termos de resposta dos débitos e resposta dos volumes. A resposta dos débitos foi determinada pela variação do FEV 1. A resposta dos volumes foi avaliada pela variação da IC, do RV e da FVC. Ocorreu uma resposta dos débitos em 33% dos doentes gravemente hiperinsuflados e em 26% dos doentes moderadamente hiperinsuflados. A resposta dos volumes verificou-se em 76% dos doentes gravemente hiperinsuflados e em 62% dos doentes moderadamente hiperinsuflados. Dezassete por cento dos doentes moderadamente hiperinsuflados e 26% dos doentes gravemente hiperinsuflados apenas melhoraram a capacidade inspiratória. Para avaliar a utilidade específica dos volumes pulmonares estáticos como marcadores da resposta aos broncodilatadores foram avaliadas as respostas dos volumes (RV+IC) nos doentes que não apresentaram qualquer melhoria dos débitos. Verificaram que 35% dos doentes moderadamente hiperinsuflados e 63% dos doentes gravemente hiperin-suflados melhoraram significativamente os volumes pulmonares.

Este estudo permitiu evidenciar que a medição dos volumes pulmonares (IC, RV, FVC) antes e após a administração de broncodilatadores identifica um tipo de resposta que não podia ser detectada pela medição tradicional do FEV1, sugerindo que cerca de três quartos destes doentes melhoram com a terapêutica broncodilatadora. A melhoria observada nos volumes pulmonares foi independente das alterações dos débitos das vias aéreas.

Embora tradicionalmente utilizado como marcador de reversibilidade, o FEV1 tem demonstrado, em alguns casos, reduzida sensibilidade, e é um factor pouco preditivo da tolerância ao exercício no doente com DPOC avançada.

A resposta do FEV1 aos broncodilatadores pode ser mascarada durante a manobra de expiração máxima forçada devido à compressão do gás intratorácico e das vias aéreas, sobretudo se a pressão de retracção elástica estiver reduzida, como ocorre no enfisema. Como resultado, a medição dos débitos expiratórios parciais pode ser mais sensível aos broncodilatadores do que a medição dos débitos expiratórios máximos.

Os achados destes autores indicam que a não medição dos volumes pulmonares leva a perda de informação de um efeito broncodilatador importante. Assumir que apenas o FEV1 é importante implicava neste estudo a exclusão de 50% dos doentes que obtiveram melhoria significativa da IC.

Os autores concluem que uma dose relativamente pequena de salbutamol inalado reduziu a hiperinsuflação e o “air-trapping” em doentes com hiperinsuflação basal significativa, mesmo naqueles em estádio avançado de doença. Com efeito, a resposta mais exuberante verificou-se precisamente nos doentes mais graves.

Propõem que a avaliação da resposta aos broncodilatadores, bem como da eficácia de novos trata

mentos, deve incluir não só os parâmetros espirométricos mas também o estudo dos volumes pulmonares, em particular nos doentes com hiperinsuflação pulmonar.

COMENTÁRIO

A avaliação “tradicional” da resposta aos broncodilatadores assenta na medição da variação do FEV1, da capacidade vital ou da resistência das vias aéreas1. A justificação apontada para a preferência na medição do FEV1 tem sido o facto de este parâmetro ser reprodutível (em diferentes medições realizadas nas mesmas circunstâncias resultam valores semelhantes) e apresentar uma boa sensibilidade, quando comparado com outros parâmetros, como a resistência das vias aéreas que embora seja um parâmetro mais sensível, apresenta uma menor reprodutibilidade e maior dependência dos volumes pulmonares na altura da medição1.

Brand et al2 estudaram várias expressões da resposta à broncodilatação avaliada pela variação do FEV1 (como percentagem do FEV1 basal, como valor absoluto em litros, como percentagem do FEV1 teórico previsto, como o residual estandardizado e como o aumento máximo possível) em doentes com patologia obstrutiva das vias aéreas e concluíram que a variação do FEV1 como percentagem do valor teórico previsto parece ser o método mais útil de expressar a resposta à broncodilatação quer para objectivos clínicos quer de investigação, pois não depende do valor do FEV1 basal. A dependência do valor de FEV 1 basal (exemplo: a avaliação da variação do FEV1 como percentagem do FEV1 basal) dava uma ideia menos exacta da resposta à broncodilatação porque evidenciava uma maior resposta nos doentes mais obstruídos, o que fazia prever um melhor prognóstico, não sendo este rea12. A avaliação da resposta aos broncodilatadores pela variação do FEV1 deve pois ser rigorosa. Mas será suficiente?

É frequente observar-se dissociação entre a clínica e a avaliação funcional respiratória: Doentes emquem não se observa melhoria do FEV1 com a administração dos broncodilatadores referem contudo melhoria clínica. Uma resposta negativa aos broncodilatadores inalados não exclui pois beneficio clínico, por exemplo em termos de melhoria da dispneia ou do aumento da distância percorrida na prova de marcha4. Esta poderá ser devida, na perspectiva dos autores deste trabalho, à melhoria funcional relacionada com os volumes pulmonares. A redução da hiperinsuflação e do “air-trapping” pode associar-se a alívio sintomático significativo.

A DPOC é caracterizada por uma redução do FEV1 que não responde ou responde mal aos broncodilatadores – o que a diferencia da asma, – mas, paradoxalmente, continuamos a usar o FEV1 para avaliar os efeitos da terapêutica3. Esta abordagem esquizóide é, segundo B. Celli, única em Medicina, e pode equivaler a definir hipertensão essencial como um aumento da pressão arterial que não responde à terapêutica anti-hipertensora, mas continuar a testar os agentes anti-hipertensores usando como único parâmetro de avaliação de eficácia, a pressão arterial não modificável2. O FEV1 medido após a broncodilatação é um parâmetro que se correlaciona com a mortalidade (queda anual superior a 30 a 50ml), mas é sobretudo quando desce abaixo de 50% do valor teórico previsto que a mortalidade começa a aumentar. São necessários outros parâmetros funcionais e clínicos para avaliar em cada doente o grau de gravidade da sua doença, para estudos clínicos e epidemiológicos, planeamento dos recursos de saúde e avaliação do prognóstico. Este autor sugere a adopção de um novo sistema de categorização dos doentes com DPOC que inclui factores reconhecidamente associados ao prognóstico, como o estado de nutrição (Índice de Massa Corporal), Obstrução (FEV 1), avaliação dos sintomas (Dispneia) e avaliação da tolerância ao exercício em endurance (Prova de marcha de 6 minutos). Este sistema designado por BODE: Body mass index, Obstruction, Dyspnea, Endurance, engloba a avaliação da percepção (dispneia), a avaliação respiratória (FEV1 e gasometria arterial) e a avaliação sistémica (nutricional ecapacidade para o exercício) e está actualmente a ser testado em 3 países. Segundo B. Celli é uma forma mais rigorosa de avaliar o doente com DPOC, sendo o seu score sensível aos efeitos da terapêutica 5.

O uso exclusivo do FEV 1 na avaliação da resposta aos broncodilatadores poderá ter uma utilidade questionável na DPOC, pois não separa de forma segura a asma da DPOC, havendo sobreposição de respostas nestas duas entidades; não prediz as respostas clínicas ao tratamento, sendo outros parâmetros, como a capacidade inspiratória, aparentemente mais correlacionáveis com a clínica (capacidade para o exercício) e não é um factor preditivo do prognóstico, sendo ultrapassado por exemplo, pela queda anual do FEV14.

Os autores deste trabalho propõem para a avaliação da broncodilatação a medição dos volumes pulmonares, particularmente em doentes com hiperinsuflação pulmonar.

Vejamos então o que se passa nestes doentes:

A hiperinsuflação pulmonar, pelo abaixamento e horizontalização do diafragma, coloca os músculos respiratórios em desvantagem mecânica, conduzindo a fraqueza muscular; provoca alteração do padrão ventilatório, que se torna mais rápido e superficial e conduz ao aparecimento de dispneia de esforço.

Belman et al6 demonstraram que a terapêutica broncodilatadora permite a redução do “air-trapping” e melhora a capacidade inspiratória em repouso e durante o exercício físico em doentes com DPOC, o que lhes permite atingirem ou mesmo ultrapassarem os níveis de ventilação necessários ao exercício mas com menores volumes operacionais e com um padrão ventilatório mais eficiente (mais lento e profundo). Como consequência, obtém-se uma redução da carga elástica do sistema respiratório e um aumento da força dos músculos respiratórios, o que leva à redução da dispneia e melhoria da tolerância ao exercício físico6,7. Têm sido demonstrados benefícios mecânicos e sintomáticos evidentes com todas as classes de bron

codilatadores. Em muitos destes casos, a alteração do FEV1 é mínima ou nula6,7.

Palavras-chave:
Broncodilatadores
Volumes pulmonares
Doenças pulmonares obstrutivas
Hiperinsuflação pulmonar
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BIBLIOGRAFIA
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P.H.H. Quanjer, G.J. Tammeling, J.E. Cotes, O.F. Pedersen, R. Peslin, J.-C. Yernault.
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European Community for Steel and Coal. Eur Respir J, 6 (1993), pp. 5-40
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Thorax, 47 (1992), pp. 429-436
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B. Celli.
Lung function revisited: primary outcome or diagnostic tool? Lung function measurement–more than just FEVI,
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Sherwood P. Burge.
Bronchodilator and bronchoconstrictor responses,
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B. Celli.
Stratification of disease severity.
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M.J. Belman, W.C. Botnick, J.W. Shin.
Inhaled bronchodilators reduce dynamic hyperinflation during exercise in patients with chronic obstructive pulmonary dise-ase.
Am J Respir Crit Care Med, 153 (1996), pp. 967-975
[7.]
O’Donnell DE, Webb K. The etiology of dyspnea during exercise in COPD. http://www.chetnet.org/education/ppccu/vol14/lesson15.html. Copyright 2000 American College of Chest Physicians.
Copyright © 2002. Sociedade Portuguesa de Pneumologia/SPP
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