Journal Information
Vol. 20. Issue 1.
Pages 12-19 (January - February 2014)
Visits
8984
Vol. 20. Issue 1.
Pages 12-19 (January - February 2014)
Artigo original
Open Access
Doentes obesos: complicações respiratórias na unidade pós-anestésica
Obese patients: Respiratory complications in the post-anesthesia care unit
Visits
8984
J. Mendonçaa, H. Pereiraa, D. Xaráa, A. Santosa, F.J. Abelhaa,b,
Corresponding author
fernando.abelha@gmail.com

Autor para correspondência.
a Serviço de Anestesiologia, Centro Hospitalar de São João, Porto, Portugal
b Unidade de Anestesiologia e Cuidados Peri-operatórios, Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal
This item has received

Under a Creative Commons license
Article information
Abstract
Full Text
Bibliography
Download PDF
Statistics
Tables (4)
Tabela 1. Características demográficas e dados perioperatórios (n=54)
Tabela 2. Eventos respiratórios adversos (n=54)
Tabela 3. Fatores de risco para complicações respiratórias na UCPA
Tabela 4. Complicações respiratórias
Show moreShow less
Resumo
Introdução

A obesidade tem sido associada a eventos respiratórios e a maioria destes ocorrem no pós-operatório imediato na unidade pós-anestésica (UPA). O objetivo deste estudo foi avaliar o «outcome» e a incidência de eventos adversos respiratórios (ARE) pós-operatórios em doentes com obesidade durante a sua permanência na UPA.

Métodos

Estudo prospetivo caso-controlo com emparelhamento de 27 pares de adultos com obesidade e doentes com IMC<30,0 (não-obesos; grupo de controlo) semelhantes quanto à distribuição do sexo, idade e tipo de cirurgia, admitidos após cirurgia eletiva na UPA (em maio de 2011). Os doentes foram classificados como tendo alto risco de síndrome de apneia obstrutiva do sono (HR-OSA) quando tinham um score de STOP-BANG ≥3. Os ARE foram definidos como obstrução das vias aéreas superiores, hipoxémia (ligeira, moderada e grave), falência respiratória, incapacidade de respirar profundamente, fraqueza dos músculos respiratórios, reintubação e aspiração pulmonar após extubação traqueal. Foi utilizada a análise descritiva das variáveis e os testes de Mann-Whitney U, Qui-quadrado e teste de Fisher foram utilizados para efetuar comparações.

Resultados

O grupo de doentes obesos apresentou uma frequência superior de doentes com um score de STOP-BANG ≥3 (89 vs 11%, p<0,001); foi submetido menos frequentemente a cirurgias consideradas de alto risco (59 vs 0%, p=0,002) e a cirurgias major (4 vs 15%, p=0,008). Apresentou mais frequentemente eventos pulmonares adversos na UPA (33 vs 7%, p<0,018). O evento adverso pulmonar mais frequente foi a incapacidade de respirar profundamente, que ocorreu mais frequentemente nos doentes obesos (26 vs 4%, p>0,025). A análise multivariada identificou a obesidade e o bloqueio neuromuscular residual como fatores de risco independentes para a ocorrência de eventos respiratórios. A duração da estadia na UPA foi superior nos doentes obesos (120min vs 84min, p>0,01).

Conclusões

A incapacidade de respirar profundamente foi o ARE mais frequente no período pós-operatório imediato nos doentes obesos. A obesidade foi considerada um fator de risco independente para ocorrência de ARE na UPA. Os doentes obesos tiveram maior tempo de estadia na UPA mas não tiveram maior tempo de internamento hospitalar.

Palavras-chave:
Obesidade
Índice de massa corporal
Eventos respiratórios
Resultados pós-operatórios
Abstract
Introduction

Obesity has been associated with respiratory complications, and the majority of these complications occur in the Post-Anesthesia Care Unit (PACU). The aim of this study was to evaluate the outcome and incidence of adverse respiratory events (AREs) in obese patients during their stay in the PACU

Methods

We conducted a prospective control study that included 27 obese patients matched with an equal number of patients with body mass index (BMI)<30 (non-obese control group); the 2 groups of patients were similar in respect to gender distribution, age, and type of surgery and had been admitted into the PACU after elective surgery (May 2011). The AREs were identified during PACU stay. Descriptive analysis of variables was performed, and the Mann-Whitney U test, Chi-square test, or Fisher's exact test were used for comparisons. Associations with AREs were studied using univariate and multivariate logistic regression models.

Results

There was a higher frequency of STOP-BANG ≥3 (89% vs. 11%, P<.001) among obese patients and they were less frequently scheduled to undergo high-risk surgery (7% vs. 41%, P=.005) and major surgery (4% vs. 15%, P=.008). Obese patients had more frequent AREs in the PACU (33% vs. 7%, P<.018). Multivariate analysis identified obesity and residual neuromuscular blockade as independent risk factors for the occurrence of AREs. Stay in the PACU was longer for obese patients (120min vs. 84min, P<.01).

Conclusions

Obesity was considered an independent risk factor for AREs in the PACU. Obese patients stayed longer in the PACU, but they did not stay longer in the hospital.

Keywords:
Obesity
Body mass index
Respiratory events
Postoperative outcome
Full Text
Introdução

A obesidade é uma patologia que condiciona eventos adversos para a saúde que reduzem a esperança média de vida e/ou aumentam a incidência de comorbilidades, em particular a doença cardíaca, diabetes mellitus tipo ii e síndrome de apneia obstrutiva do sono1.

A obesidade é uma co-morbilidade relativamente comum que pode ter um impacto profundo na morbilidade e mortalidade relacionadas com a anestesia.

Estudos recentes sugerem que 60% da população nos países industrializados tem excesso de peso (índice de massa corporal [IMC] ≥25kg/m2) e pelo menos 30% obesidade (IMC ≥30kg/m2)2.

A definição de obesidade (IMC ≥30kg/m2) e o seu significado clínico está bem determinado e aceite em todo o mundo. Esta patologia é classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 3 classes (i, ii e iii). Os doentes são classificados como pré obesos (excesso de peso) se o IMC variar entre 25- 29,9kg/m2 e obesos quando é superior ou igual a 30kg/m2. Como a população de doentes obesos submetida a procedimentos cirúrgicos tem vindo a crescer e a obesidade mórbida afeta a maioria dos órgãos vitais, o anestesiologista deve estar preparado para lidar com vários desafios3.

A obesidade tem varias consequências fisiopatológicas, incluindo alterações na função respiratória. Como tal, o manuseio perioperatório pode afetar significativamente a posterior evolução clínica nesta população.

O excesso de tecido adiposo metabolicamente ativo aumenta o trabalho nos músculos de suporte; consequentemente o consumo de oxigénio e a produção de dióxido de carbono também se tornam superiores.

Outros efeitos importantes são a disfunção do miocárdio, o aumento do trabalho respiratório e a menor eficácia da ventilação devido ao aumento do esforço associado à insuflação pulmonar.

A compliance do sistema respiratório e os volumes pulmonares, especialmente a capacidade residual funcional (CRF), são habitualmente inferiores nos doentes obesos4–6. Consequentemente, estes doentes apresentam geralmente frequências respiratórias superiores compensando a diminuição do volume corrente. O declínio da CRF para valores inferiores ao valor de volume de oclusão (das vias aéreas) pode afetar a oxigenação; adicionalmente a hipoxémia pode desenvolver-se no período pós-indução, possivelmente devido ao distúrbio da ventilação-perfusão nas bases pulmonares, onde a incidência de microatelectasia é superior.

É de salientar que no período pós-operatório a obstrução aguda da via aérea é mais provável e a diminuição das capacidades pulmonares pode ser esperada por pelo menos 5 dias.

A hipoxia ligeira e os eventos respiratórios adversos (ERA) no período pós-operatório podem estar relacionados com a atelectasia pulmonar pós-operatória e, ao contrário dos doentes não obesos, cuja recuperação pode ser mais rápida, em doentes com obesidade mórbida a atelectasia pode persistir por mais de 24 horas7.

O excesso de peso e a obesidade foram identificados como fatores de risco para complicações respiratórias no período pós-operatório7–9.

O estudo de Healy et al. demonstrou a associação entre a obesidade e o risco aumentado de complicações respiratórias no período perioperatório em doentes submetidos a esofagectomia10. Em contraste, outros estudos não encontraram aumento do risco atribuível à obesidade, mesmo em doentes com obesidade mórbida11,12.

O objetivo do presente estudo foi avaliar a evolução clínica e a incidência de ERA em doentes obesos durante a sua estadia na UCPA.

Metodologia

Este estudo foi aprovado pela comissão de ética do Centro Hospitalar de São João, tendo sido obtido o consentimento informado por escrito de todos os participantes.

Realizou-se um estudo prospetivo numa UCPA com capacidade de 12 camas durante o período de 3 semanas (de 9 de maio a 27 de maio de 2011).

Os critérios de exclusão englobaram os seguintes: recusa do doente, incapacidade de dar o consentimento informado, score<25 no mini mental state examination (MMSE), idade inferior a 18 anos, nacionalidade estrangeira, doença neuromuscular conhecida, cirurgia urgente ou emergente, cirurgia cardíaca, neurocirurgia e outros procedimentos que implicassem hipotermia terapêutica.

Para este trabalho foi realizado um estudo caso-controlo sendo a definição dos casos realizada prospectivamente. Durante o período em que se realizou o estudo todos os doentes obesos com IMC ≥30 foram identificados e emparelhados com doentes selecionados (caso-controlo). Os casos e controlo foram identificados através da recolha de dados em todos os doentes admitidos na UCPA de modo consecutivo durante o período em que decorreu o estudo. Os casos consistiram em doentes obesos e foram emparelhados com doentes semelhantes no que respeita ao sexo, idade e tipo de cirurgia que foi definido como intra-abdominal, músculo esquelética ou cirurgia de cabeça e pescoço. Os doentes não obesos com IMC<30 foram selecionados com base no emparelhamento de um para um com doentes obesos e foram selecionados consecutivamente de acordo com a presença de características de emparelhamento.

As variáveis registadas na admissão da UCPA foram as seguintes: idade, sexo, tipo de cirurgia (intrabdominal, músculo-esquelética, bariátrica, cabeça e pescoço), IMC, estado físico da American Society of Anesthesiologists (EF-ASA) e as comorbilidades pré-hospitalização (especificamente síndrome de apneia obstrutiva do sono, doença cardíaca isquémica, insuficiência cardíaca congestiva, doença cerebrovascular, hipertensão, insuficiência renal, diabetes insulinodependente, dislipidemia e doença pulmonar obstrutiva crónica).

Os fatores de risco clínicos (história de doença cardíaca isquémica, história de insuficiência cardíaca prévia ou compensada, história de doença cerebrovascular, diabetes mellitus e insuficiência renal) foram avaliados de acordo com as recomendações para avaliação do risco cardíaco pré-operatório e abordagem cardiológica peri-operatória na cirurgia não cardíaca da Sociedade Americana de Cardiologia/recomendações da task force da American Heart Association13.

Antes da cirurgia ocorreu uma breve entrevista clínica para obtenção do consentimento, da história médica do doente e para realizar o MMSE. Durante a entrevista foi aplicado o questionário STOP-Bang14.

Os doentes foram considerados de elevado risco de síndrome de apneia obstrutiva do sono (ER-SAOS) sempre que o score STOP-Bang foi maior ou igual a 3.

Durante a cirurgia o anestesiologista responsável pela sala desconhecia o envolvimento do doente no estudo. A conduta anestésica e monitorização intra-operatória foi realizada de acordo com os critérios propostos pelos anestesiologistas responsáveis seguindo os standards mínimos da instituição.

Os fármacos relaxantes musculares foram usados para entubação traqueal e foram efetuados bólus adicionais mediante as necessidades. A decisão de monitorizar o bloqueio neuromuscular, recorrendo à utilização de neuroestimulador periférico, dependeu do critério do anestesiologista responsável, não existindo diretrizes relativamente ao seu uso. Para assegurar que os anestesiologistas permaneciam cegos quanto à participação dos doentes no estudo não tomamos a iniciativa de observar a utilização ou a interpretação do Train of four (TOF) durante a cirurgia.

No final do procedimento cirúrgico o anestesiologista tinha autonomia de optar por reverter ou não o bloqueio neuromuscular com neostigmina. Na nossa prática clínica a administração do fármaco é geralmente feita precocemente antes da extubação traqueal quando a profundidade do bloqueio é menor. O doente é geralmente extubado no bloco operatório e transferido para a UCPA. Os critérios de extubação incluíram elevação da cabeça sustentada ou aperto de mão por mais de 5seg, capacidade de cumprir ordens simples, padrão ventilatório estável com saturação arterial de oxigénio aceitável (SpO2>95%) e ratio TOF superior a 0,80. Administrou-se oxigénio a 100% a todos os doentes por máscara facial após extubação traqueal. A decisão de realizar oxigenoterapia durante a transferência do doente da sala de bloco para a UCPA ficou ao critério do anestesiologista responsável.

Após a chegada à UCPA todos os doentes realizaram oxigenoterapia por cânula nasal ou máscara facial. O bloqueio neuromuscular foi definido como TOF<0,9 e foi quantificado à admissão na UCPA através da utilização de aceleromiografia no músculo adductor pollicis (TOF-Watch).

Os dados pós-operatórios registados incluíram informação relativa à mortalidade e duração do internamento hospitalar e na UCPA.

Complicações respiratórias pós-operatórias

Cada ERA pós-operatório foi definido na folha de recolha de dados de acordo com os seguintes dados especificados por Murphy et al.15:

  • 1.

    Obstrução da via aérea superior que motivou intervenção (elevação da mandíbula, utilização de dispositivos de permeabilização da via aérea).

  • 2.

    Hipoxemia ligeira a moderada (saturação de O2 [SpO2] entre 90-93% com oxigenoterapia a 3l/min por cânula nasal que não melhorou após intervenções ativas (aumentar fluxo de O2 para>3L/min. Aplicação de máscara facial de alto fluxo, pedidos verbais para respirar profundamente, estimulação táctil).

  • 3.

    Hipoxemia grave (SpO2<90%) sob oxigenoterapia a 3L/min com cânula nasal que não melhorou após intervenções ativas (aumentar fluxo de O2 para>3L/min). Aplicação de máscara facial de alto fluxo, pedidos verbais para respirar profundamente, estimulação táctil.

  • 4.

    Sinais de dificuldade respiratória ou falência ventilatória (frequência respiratória>20 respirações por minuto, uso dos músculos acessórios, esforço traqueal).

  • 5.

    Incapacidade de respirar profundamente quando solicitado pela equipa de enfermagem da UCPA.

  • 6.

    Queixas sugestivas de fraqueza dos músculos respiratórios ou da via aérea superior (dificuldade em respirar, deglutir, falar).

  • 7.

    Necessidade de reentubação na UCPA.

  • 8.

    Evidência clínica ou suspeita de aspiração pulmonar após extubação traqueal (conteúdos gástricos observados na orofaringe e hipoxemia).

A equipa de enfermagem da UCPA foi instruída para rever a ‘cheklist’ de cada doente após a admissão na UCPA e para informar o investigador caso registasse algum ERA. Caso tal se verificasse o investigador procedia à examinação do doente para confirmar que apresentava pelo menos um dos critérios de ERA.

Análise estatística

Análise descritiva das variáveis foi usada para sumariar os dados e o teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparação de variáveis contínuas entre grupos de indivíduos; o teste Chi quadrado e o teste exato de Fisher foram usados para comparar proporções entre grupos de indivíduos.

Todas as variáveis foram consideradas significativas quando p<0,05.

Para avaliar os determinantes das complicações respiratórias realizou-se a análise da regressão logística univariada e as seguintes variáveis independentes: tipo de cirurgia, idade, IMC, IMC>35kg/m2, duração da anestesia, EF- ASA, cirurgia de alto risco, diabetes insulinodependente (de acordo com score RCRI), tipo de anestesia, duração da anestesia, duração do internamento hospitalar e na UCPA e presença de bloqueio neuromuscular residual. Logística binária de regressão múltipla com eliminação condicional foi usada para examinar as co-variáveis para cada fator com o objetivo de identificar os preditores independentes de ERA. Neste modelo, as co-variáveis com valores de p0,05 na respetiva análise univariada foram inscritas. O software estatístico SPSS para a versão Windows 16.0 (SPSS, Chicago, IL) foi usado para analisar os dados.

Resultados

No total, 27 pares de doentes foram admitidos e estudados na UCPA durante o período de duração do estudo. A tabela 1 apresenta as características dos doentes admitidos na UCPA e a comparação entre doente obesos e não obesos.

Tabela 1.

Características demográficas e dados perioperatórios (n=54)

Variáveis Mediana (DIQ) ou n (%)  Obesos N=27  Não-obesos N=27 
Idade  47 (35-63)  46 (33-62)  0,796 
Sexo     
Masculino  5 (19)  5 (19)   
Feminino  22 (81)  22(81)   
Local da Cirurgia     
Intra-abdominal  17 (63)  17 (63)   
Músculo-esquelética  8 (30)  8 (30)   
Cabeça e pescoço  2 (7)  2 (7)   
Síndrome de apneia obstrutiva do Sono  24 (89)  3 (11)  <0,001 
Índice massa corporal (kg/m2)  41 (38-44)  24 (21-25)  <0,001 
Estado físico ASA      0,352 
I/II  24 (89)  22 (82)   
III/IV/V  3 (11)  5 (19)   
Cirurgia de alto risco  2 (7)  11(41)  0,005 
Doença cardíaca isquémica 
Insuficiência cardíaca congestiva 
Doença cérebro-vascular  1(4)  0,500 
Diabetes insulinotratada  6 (22)  1(4)  0,050 
Creatinina sérica >2 mg/dl  1 (4)  0,500 
Hipertensão arterial  12 (44)  8 (30)  0,260 
Dislipidemia  11(41)  8 (30)  0,393 
DPOC  2 (7)  1 (4)  0,500 
Magnitude da cirurgia      0,008 
Minor  1 (4)  8 (30)   
Intermédia  25 (93)  15 (56)   
Major  1 (4)  4 (15)   
Fluidoterapia intra-operatória
Cristalóides intravenosos (L.)  1.000 (1.000-2.000)  1.000 (1.000-2.000)  0,606 
Tipo de anestesia     
Geral  24 (89)  24 (89)   
Loco-regional  3 (11)  3 (11)   
Duração da anestesia (min)  110 (80-180)  120 (70-165)  0,742 
Duração da cirurgia  75 (60-120)  83 (50-130)  0,924 
Temperatura à admissão  35,3 (35,0-35,8)  35,2 (34,8-35,6)  0,071 
<35°C  7 (26)  11 (41)  0,248 
Bloqueio neuromuscular residual  11(41)  7 (26)  0,272 
Duração do internamento na UCPA (min)  120 (76-140)  80 (61-110)  0,010 
Duração do internamento hospitalar (dias)  4 (2-6)  3 (2-5)  0,725 

ASA: American Society of Anesthesiologists; DIQ:desvio interquartil; DPOC: doença pulmonar obstrutiva crónica; UCPA: Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos.

A idade era semelhante em ambos os grupos; o valor da mediana de idade do grupo de doentes obesos era de 47 anos e o valor desvio interquartil (DIQ) variou entre 35-63 anos, em comparação com os doentes não obesos cuja mediana era de 46 anos e DIQ entre 33-61 anos.

Os doentes obesos apresentavam um IMC superior (mediana, 41 vs 24, p<0,001), eram mais frequentemente doentes de ER-SAOS (89 vs 11%, p<0,001) e foram programados menos frequentemente para cirurgia de alto risco (7 vs 41%, p=0,005) e cirurgia major (4 vs 15%, p=0,008).

A tabela 2 sumaria a ocorrência de complicações respiratórias nos doentes obesos e não obesos. A incidência de complicações respiratórias no pós-operatório no grupo de doentes obesos é superior em comparação com o grupo de doentes não obesos (33 vs 7%, p=0,018). A incapacidade de respirar profundamente foi a complicação mais comum (26% nos doentes obesos vs 4% em doentes não obesos, p=0,025).

Tabela 2.

Eventos respiratórios adversos (n=54)

Variáveis  Total (n=54)  Total % (95%CI)  Obesos N=27  Não-obesos N=27 
Eventos Respiratórios Adversos  11  20,4 (9,3-31,5)  9 (33)  2 (7)  0,018 
Obstrução da via aérea superior 
Hipóxia ligeira/moderada  11,1 (2,5-19,8)  5 (19)  1 (4)  0,096 
Hipóxia grave 
Falência respiratória 
Incapacidade de inspirar profundamente  20,4 (9,3-31,5)  7 (26)  1 (4)  0,025 
Fraqueza muscular  1,8 (0-5,6)  1 (4)  0,500 
Reentubação 
Aspiração pulmonar 

A duração do internamento na UCPA foi superior no grupo de doentes obesos (120 vs 84min, p<0,01).

Na análise univariada apenas a obesidade e o bloqueio neuromuscular residual após cirurgia foram considerados fatores significativos de risco para ERA (tabela 3). Como demonstrado pela análise de regressão logística múltipla, estas 2 variáveis foram consideradas fatores de risco independente para a ocorrência de ERA na UCPA (tabela 4).

Tabela 3.

Fatores de risco para complicações respiratórias na UCPA

Variáveis mediana (DIQ) ou n (%)  Com/Sem eventos respiratórios  Odds ratio (95% CI) 
Idade  48 (31-65)/43 (34-62)  1,01 (0,97-1,05)  0,687 
Índice massa corporal (kg/m2)  39 (35-41)/28 (23-41)  1,07 (0,99-1,15)  0,072 
Índice massa corporal >30 (kg/m2)  9 (82)/18 (42)  6,25 (1,20-32,50)  0,029 
STOP- Bang ≥3  8 (73)/18 (42)  3,70 (0,86-15,93)  0,079 
Estado físico ASA      0,725 
I/II     
III/IV/V  2 (18)/6 (14)  1,37 (0,24-7,95)   
Cirurgia de alto risco  4 (37)/9 (21)  0,46 (0,11-1,94)  0,292 
Diabetes insulinotratada  1 (9)/(6 (14)  0,62 80,66-5,73)  0,671 
Magnitude da cirurgia      0,299 
Minor/Intermédia     
Major  3 (27)/6 (14)  2,31 (0,48-11,26)   
Cirurgia bariátrica  4 (37)/9 (21)  2,22 (0,42-12,29)  0,360 
Duração da anestesia (min)  90 (70-110)/125 (80-180)  0,99 (0,97-1,00)  0,101 
Duração da cirurgia  70 (50-70)/90 (60-130)  0,99 (0,97-1,00)  0,089 
Tipo de anestesia
Geral  10 (91)/38 (88)  1,36 (0,14-12,57)  0,812 
Loco regional  10 (91)/1 (9)   
Duração do internamento na UCPA (horas)  1,4 (0,9-2,4)/1,6 (1,1-2,0)  0,99 (0,99-1.00)  0,906 
Duração do internamento hospitalar (dias)  3 (1-6)/3 (2-6)  0,94 (0,69-1,30)  0,721 
Bloqueio neuromuscular residual  7 (64)/11 (26)  5,09 (1,25-20,78)  0,023 

ASA: American Society of Anesthesiologists; DIQ: desvio interquartil; UCPA: Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos.

Tabela 4.

Complicações respiratórias

Variáveis n (%)  Com/Sem eventos respiratórios adversos  Odds ratio (95% CI) 
Índice massa corporal >30 (kg/m29 (82)/18 (42)  4,58 (1,04-20,10)  0,046 
Bloqueio neuromuscular residual  7 (64)/11 (26)  5,66 (1,03-31,10)  0,044 
Discussão

Os principais achados deste estudo são os seguintes: primeiro, os doentes obesos apresentaram incidência superior de ERA em comparação com os doentes cirúrgicos não obesos com quem foram emparelhados; segundo, a incapacidade de respirar profundamente e a hipoxia leve/moderada foram os ERA mais frequentes no período pós-operatório imediato e foram mais frequentes nos doentes obesos (classe ii e iii); terceiro, a obesidade e o bloqueio neuromuscular residual foram fatores de risco independentes para ERA na UCPA.

Apesar da duração do internamento na UCPA ter sido superior, a incidência de ERA não teve impacto na duração do internamento hospitalar.

A obesidade é conhecida por estar associada à síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS), atelectasia, assim como à síndrome de hipoventilação. Também está associada à diminuição da capacidade vital, capacidade residual funcional, volume expiratório forçado no 1.° segundo e tensão arterial de oxigénio. Na nossa população de doentes, determinamos que os doentes obesos tinham uma incidência superior de eventos respiratórios adversos.

O nosso estudo verificou que a obesidade pode estar associada a ERA pós-cirúrgicos e a incidência de eventos respiratórios na UCPA nos doentes obesos foi 4,6 vezes maior em comparação com os doentes não obesos.

Estudos prévios também demonstraram a correlação entre obesidade e complicações respiratórias: na análise retrospetiva de Kuduvalli et al.16 a ventilação mecânica prolongada em doentes submetidos a cirurgia de bypass coronário foi associada com IMC superior a 35; Merkow et al.8 associou a obesidade e a ocorrência de tromboembolismo pulmonar no período pós-operatório.

Não é surpreendente que o bloqueio neuromuscular residual seja um fator de risco independente para eventos respiratórios. De facto, o bloqueio neuromuscular tem sido observado frequentemente na UCPA quando fármacos bloqueadores neuromusculares (FBNM) eram administrados durante a cirurgia17,18. Os eventos respiratórios pós- operatórios são o resultado adverso mais frequentemente associado com a paralisia residual, tanto em estudos clínicos observacionais como em estudos randomizados19.

Um estudo caso-controlo prospetivo realizado por Murphy et al.15 concluiu que o bloqueio neuromuscular residual é um fator importante para o desenvolvimento de ERA na UCPA. Estudos em voluntários têm vindo a demonstrar que os fade ratios do TOF menores que 0,70-0,90 estão associados a obstrução da via aérea superior20, redução da coordenação muscular faríngea, aumento do risco de aspiração pulmonar21 e resposta ventilatória à hipoxia diminuída22.

Considerando que a prevalência de complicações na população cirúrgica com SAOS é superior à da população geral e varia em populações diferentes, utilizamos um questionário conciso e de fácil aplicação, com elevada sensibilidade e valor preditivo negativo (VPN) para o rastreio de SAOS na população cirúrgica. De facto, os valores de sensibilidade do índice de apneia-hipopneia obtido através de cutoffs polisonográficos superiores a 5, superiores a 15 e superiores a 30, do inquérito STOP-Bang descrito por Chung et al.14,23, foram de 83,6 92,9 e 100%, respetivamente, e os valores correspondentes de VPN foram de 60,8, 90,2 e 100%.

Os doentes obesos foram mais frequentemente doentes com ER-SAOS e IMC superior, tal como esperado pelo processo de emparelhamento. A obesidade está associada ao aumento do risco de SAOS em 12-30 vezes em relação à população normal24. Está bem estabelecido que a SAOS tem um impacto significativo na função cardiorrespiratória aguda e crónica25. Sendo o distúrbio do sono mais prevalente26, a SAOS tem uma elevada incidência entre doentes cirúrgicos e afeta 2-26% da população geral, de acordo com o sexo, idade e critérios de diagnóstico25. Existe uma evidência crescente na literatura que sugere a implicação da SAOS no desenvolvimento de doenças cardiorrespiratórias27,28. Apesar desta evidência, no nosso estudo o ER-SAOS não foi considerado fator de risco independente para eventos respiratórios pós-operatórios, em concordância com os resultados de outros estudos24.

Reconhecemos no entanto que este estudo tem uma série de limitações importantes.

Primeiro, os resultados devem ser como meras associações e a causalidade não pode ser implicada.

Segundo, o processo de emparelhamento foi construído de modo que a idade, sexo, tipo de cirurgia e data da cirurgia coincidissem. No entanto, este processo não emparelhou as características individuais dos doentes e os nossos resultados mostraram que os doentes obesos eram mais frequentemente submetidos a cirurgia bariátrica e menos frequentemente a cirurgia major e de alto risco. Assim, a possibilidade do risco associado à cirurgia de alto risco, ao invés do diagnóstico de obesidade por si só, poder contribuir para as taxas mais elevadas de complicações não pode ser excluída.

Terceiro, baseamos a classificação dos doentes como doentes de ER-SAOS na utilização no questionário STOP-Bang e não realizamos estudos polisonográficos que são o gold-standard para o diagnóstico de SAOS.

Quarto, a nossa definição de ERA envolveu critérios subjetivos, o que pode influenciar o diagnóstico. Os ERA foram registados apenas durante o tempo de internamento na UCPA e as complicações que poderiam ter ocorrido após a alta desta unidade não foram consideradas, o que pode ser considerada uma limitação major do nosso trabalho.

Apesar das limitações acima referidas, este estudo indica que os doentes obesos apresentaram uma elevação na incidência de ERA pós-operatórios.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
D.W. Haslam, W.P. James.
Obesity.
Lancet, 366 (2005), pp. 1197-1209
[2]
C.L. Ogden, M.D. Carroll, L.R. Curtin, M.A. McDowell, C.J. Tabak, K.M. Flegal.
Prevalence of overweight and obesity in the United States, 1999-2004.
JAMA, 295 (2006), pp. 1549-1555
[3]
R. Domi, H. Laho.
Anesthetic challenges in the obese patient.
J Anesth, 26 (2012), pp. 758-765
[4]
M. Chlif, D. Keochkerian, D. Choquet, A. Vaidie, S. Ahmaidi.
Effects of obesity on breathing pattern, ventilatory neural drive and mechanics.
Respir Physiol Neurobiol, 168 (2009), pp. 198-202
[5]
Z. Shenkman, Y. Shir, J.B. Brodsky.
Perioperative management of the obese patient.
Br J Anaesth., 70 (1993), pp. 349-359
[6]
B. Oberg, T.D. Poulsen.
Obesity: an anaesthetic challenge.
Acta Anaesthesiol Scand, 40 (1996), pp. 191-200
[7]
A. Eichenberger, S. Proietti, S. Wicky, P. Frascarolo, M. Suter, D.R. Spahn, et al.
Morbid obesity and postoperative pulmonary atelectasis: an underestimated problem.
Anesth Analg, 95 (2002), pp. 1788-1792
[8]
R.P. Merkow, K.Y. Bilimoria, M.D. McCarter, D.J. Bentrem.
Effect of body mass index on short-term outcomes after colectomy for cancer.
J Am Coll Surg, 208 (2009), pp. 53-61
[9]
J.C. Hall, R.A. Tarala, J.L. Hall, J. Mander.
A multivariate analysis of the risk of pulmonary complications after laparotomy.
Chest, 99 (1991), pp. 923-927
[10]
L.A. Healy, A.M. Ryan, B. Gopinath, S. Rowley, P.J. Byrne, J.V. Reynolds.
Impact of obesity on outcomes in the management of localized adenocarcinoma of the esophagus and esophagogastric junction.
J Thorac Cardiovasc Surg, 134 (2007), pp. 1284-1291
[11]
J.T. Mullen, D.L. Davenport, M.M. Hutter, P.W. Hosokawa, W.G. Henderson, S.F. Khuri, et al.
Impact of body mass index on perioperative outcomes in patients undergoing major intra-abdominal cancer surgery.
Ann Surg Oncol, 15 (2008), pp. 2164-2172
[12]
S. Benoist, Y. Panis, A. Alves, P. Valleur.
Impact of obesity on surgical outcomes after colorectal resection.
Am J Surg, 179 (2000), pp. 275-281
[13]
T.H. Lee, E.R. Marcantonio, C.M. Mangione, E.J. Thomas, C.A. Polanczyk, E.F. Cook, et al.
Derivation and prospective validation of a simple index for prediction of cardiac risk of major noncardiac surgery.
Circulation, 100 (1999), pp. 1043-1049
[14]
F. Chung, B. Yegneswaran, P. Liao, S.A. Chung, S. Vairavanathan, S. Islam, et al.
STOP questionnaire: a tool to screen patients for obstructive sleep apnea.
Anesthesiology, 108 (2008), pp. 812-821
[15]
G.S. Murphy, J.W. Szokol, J.H. Marymont, S.B. Greenberg, M.J. Avram, J.S. Vender, et al.
Intraoperative acceleromyographic monitoring reduces the risk of residual neuromuscular blockade and adverse respiratory events in the postanesthesia care unit.
Anesthesiology, 109 (2008), pp. 389-398
[16]
M. Kuduvalli, A.D. Grayson, A.Y. Oo, B.M. Fabri, A. Rashid.
The effect of obesity on mid-term survival following coronary artery bypass surgery.
Eur J Cardiothorac Surg, 23 (2003), pp. 368-373
[17]
C. Baillard, G. Gehan, J. Reboul-Marty, P. Larmignat, C.M. Samama, M. Cupa.
Residual curarization in the recovery room after vecuronium.
Br J Anaesth, 84 (2000), pp. 394-395
[18]
G. Cammu, J. de Witte, J. de Veylder, G. Byttebier, D. Vandeput, L. Foubert, et al.
Postoperative residual paralysis in outpatients versus inpatients.
Anesth Analg, 102 (2006), pp. 426-429
[19]
G.S. Murphy, S.J. Brull.
Residual neuromuscular block: lessons unlearned, part I: definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block.
Anesth Analg, 111 (2010), pp. 120-128
[20]
M. Eikermann, H. Groeben, J. Husing, J. Peters.
Accelerometry of adductor pollicis muscle predicts recovery of respiratory function from neuromuscular blockade.
Anesthesiology, 98 (2003), pp. 1333-1337
[21]
E. Sundman, H. Witt, R. Olsson, O. Ekberg, R. Kuylenstierna, L.I. Eriksson.
The incidence and mechanisms of pharyngeal and upper esophageal dysfunction in partially paralyzed humans: pharyngeal videoradiography and simultaneous manometry after atracurium.
Anesthesiology, 92 (2000), pp. 977-984
[22]
L.I. Eriksson, M. Sato, J.W. Severinghaus.
Effect of a vecuronium-induced partial neuromuscular block on hypoxic ventilatory response.
Anesthesiology, 78 (1993), pp. 693-699
[23]
S.A. Chung, H. Yuan, F. Chung.
A systemic review of obstructive sleep apnea and its implications for anesthesiologists.
Anesth Analg, 107 (2008), pp. 1543-1563
[24]
S. Ahmad, A. Nagle, R.J. McCarthy, P.C. Fitzgerald, J.T. Sullivan, J. Prystowsky.
Postoperative hypoxemia in morbidly obese patients with and without obstructive sleep apnea undergoing laparoscopic bariatric surgery.
Anesth Analg, 107 (2008), pp. 138-143
[25]
T. Young, R. Hutton, L. Finn, S. Badr, M. Palta.
The gender bias in sleep apnea diagnosis, are women missed because they have different symptoms?.
Arch Intern Med, 156 (1996), pp. 2445-2451
[26]
M.H. Kryger.
Diagnosis and management of sleep apnea syndrome.
Clin Cornerstone, 2 (2000), pp. 39-47
[27]
R.S. Leung, T.D. Bradley.
Sleep apnea and cardiovascular disease.
Am J Respir Crit Care Med, 164 (2001), pp. 2147-2165
[28]
T. Young, L. Finn, P.E. Peppard, M. Szklo-Coxe, D. Austin, F.J. Nieto, et al.
Sleep disordered breathing and mortality: eighteen-year follow-up of the Wisconsin sleep cohort.
Sleep, 31 (2008), pp. 1071-1078
Copyright © 2012. Sociedade Portuguesa de Pneumologia
Pulmonology
Article options
Tools

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?